quarta-feira, 25 de julho de 2012

Sozinho

“Estar sozinho é engraçado, louco, angustiante, libertário e triste, tal qual estar com alguém. No entanto, estar sozinho é absolutamente o oposto de estar com alguém. Estar sozinho é fechar as mãos no nada quando se atravessa a rua correndo e não se tem uma mão para segurar. É acordar sem saber o que será do dia porque planejar sozinho dá preguiça. É falar a coisa mais engraçada do mundo para alguém que não vai rir, porque ninguém te entende tão bem. É ficar louca sem cúmplice. Não tem graça ser fora da lei sozinho. É querer contar tanta coisa para alguém, mas para quem? A vida simplesmente acontece para quem está sozinho, às vezes sem que a gente perceba, pois é mais fácil ter noção de si mesmo através de outra pessoa. Estar sozinho é fazer dengo sozinho na cama, sem ninguém para apenas encaminhar o ombro um pouco mais perto. É comer doce demais porque sua boca precisa de um incentivo para continuar salivando vida. É comer doce demais porque estar sozinho dá uma tremedeira estúpida de hipoglicemia. (…)Estar sozinho é dormir até tarde no domingo. Não para congelar o tempo na alegria, mas para fazer de conta que o tempo não existe. É conviver com a ansiedade de que você pode encontrar alguém especial a cada esquina, então você tenta ficar bonita. Mas seus olhos não mentem o cansaço da espera e a tristeza de estar solta, e você fica feia. É ter a sensação de que ninguém te olha, pelo menos não como você gostaria de ser olhada. Estar sozinha é estar solta e, no entanto, é estar amarrada ao chão porque nada te faz flutuar, sonhar, devagar. Estar sozinho, ou estar sozinha, pode acontecer com qualquer um. E você torce para que aconteça com a sua melhor amiga, ou com aquele homem que você gostaria de experimentar como uma pílula para a sua solidão. Estar sozinha é não suportar ouvir a palavra solidão porque ela faz sentido. E o sentido dela dói demais. Estar sozinho é ter uma risada nervosa, de quem segura um grito e um choro enquanto ri. Um riso falso para se convencer de que é possível ficar sozinho sem ficar deprimido. Estar sozinho é usar roupas provocantes sem se sentir sexy com elas. É conferir a caixa de e-mails com uma freqüência que beira a compulsão. É chorar do nada. É acordar do nada. É morrer de medo do nada que fica no estômago. Estar sozinho é uma coisa física, ou melhor, é a falta dela. Você se sente oco por dentro, por isso aquele respiro profundo de lamentação. É cogitar enlouquecer. O ombro pesa porque é tenso ficar sozinho. E porque não tem ninguém pra te fazer massagem também. Quando chove, venta, escurece, e você está sozinho, você lembra de Deus e do quanto é pequeno. Estar sozinho é se aproximar de Deus por piedade própria e não por agradecimento, que é o que nos faz aproximar Dele quando estamos amando. Estar sozinho é detestar ficar em casa. Ficar em casa sozinho, quando se está sozinho, é muita solidão. Então você sai, só para não ficar em casa sozinho. E descobre o quanto você é sozinho. E volta pra casa sozinho, e chora vendo fotos. Estar sozinho é implorar paixão e loucura com um olhar para o carro ao lado, segundos antes de você ver que ele não está sozinho. É trabalhar para passar o tempo e só conseguir escrever títulos, roteiros, spots e textos chatos, sem inspiração. É procurar um olhar pela rua e andar por aí com cara de louco. É estar pronta para algo novo e não agüentar mais dias iguais. É ocupar a vida de açúcar, intrigas, fofocas, encrencas. Aventuras tortas. É ocupar a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências. Resumindo: estar sozinho é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.”— Tati Bernardi.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Casquinha da Ferida

Quando eramos crianças, costumávamos  nos machucar muito. Bater nos móveis, levar inúmeras picadas de mosquitos, tirar a "tampa" do dedão do pé, ralar os joelhos... a maioria das vezes, essas feridas criavam as famosas casquinhas, que quase com um instinto, sentimos a necessidade de arrancá-la. Mesmo sentindo dor... mesmo sabendo que vamos sangrar... mesmo sabendo que nossas mães iriam ralhar, dizendo que poderíamos deixá-las piores e que demorariam mais para curar.

Querendo ou não, isso pode ser relacionado com tudo o que já foi dito sobre o melhor, e também às vezes pior, sentimento do mundo. Quantas vezes você já não consolou um amigo ou uma amiga que levou um fora e, infelizmente, o fez relembrar alguns dos momentos bons que eles tiveram juntos? Quantas vezes você já não se pegou pensando naquela paixão, aquele alguém que te fez sofrer, que não deu certo? Cutucamos feridas abertas, recentes, a fim de reviver momentos que gostaríamos de ter de volta: tiramos a casquinha da ferida. A maioria delas ainda dói, ainda é vermelha o suficiente para nos fazer sofrer tanto quanto sofremos quando a adquirimos. Outras, por outro lado, já tiveram sua "casquinha" removida outras vezes, sua história já fora contada a outras pessoas e, com cada uma delas, foi deixada um pouco da dor. Por fim, há aquelas que já sararam, que já não doem mais. Porém, sua cicatriz permanecerá naquele que a adquiriu. Mas são essas histórias, essas feridas, essas cicatrizes que fazem de nós o que somos, que nos fortalecem. Cada uma delas é sinal de que superamos algo e nos tornamos mais fortes.